Um rapaz que conheci


«Eras uma pessoa, que como todas as outras, lutava pela vida. Ajudavas meio mundo sem dar uma causa como perdida e preocupavas-te mais com os outros do que te preocupavas contigo. Quis o destino que errasses e acabasses sozinho. Começaste a auto-destruir-te aos poucos e se não eras louco, pouco faltou para lá chegares. Quando acordaste, ficaste com ódio e raiva por veres naquilo em que te tornaste. Julgaram-te como se estivesses no purgatório e de nada te valeu o teu arrependimento. Considerado culpado, tiveste de pagar com anos de sofrimento, como se já não fosses humano, apesar de te dizerem que és um anjo. Acreditaste e ganhaste esperança, inocentemente, até te terem dito para voares. Foi ali, naquele momento, que te viste incapaz, porque não tinhas asas. Foi nesse momento, que humilhado, sozinho e destruído, que verteste as tuas lágrimas.»

Estava no Verão de 2006, no solarengo e tórrido mês de Agosto, quando conheci um rapaz. Esse rapaz carregava em si os sonhos do mundo. Sempre que cruzávamos caminho, via o quão sonhador ele era. Acreditava que todas as pessoas tinham o bem dentro de si, algumas apenas o tinham de descobrir e ele, sempre prestável, ajudava a descobrir esse lado bom. Foram tantas a vidas que ele mudou, pela sua maneira de ser, pelas palavras certas na altura certa. Era como um verdadeiro anjo da guarda. Dotado de uma inteligência, criatividade e capacidade grandes, que humildemente dizia não ter, ele lutava todos os dias para ser o melhor naquilo que fazia. Fosse música, fosse futebol, fosse ajudar os outros, não importava. Desde que metesse um sorriso na cara dos outros, era o suficiente para ele se sentir realizado.

Ele tinha uma namorada, a quem confiava tudo e em quem confiava. Apesar de todos os altos e baixos do passado, ele continuava a acreditar que seria diferente. Não se enganou muito, apenas na perspectiva. Afastou-se das pessoas, deixou de ter prazer no que fazia e na escola já só demonstrava rasgos da sua verdadeira inteligência. Ele sentiu o mundo fugir-lhe e desde essa altura nunca mais foi o mesmo. Demorou a reconhecer que tinha uma depressão e essa demora custou-lhe amizades e um futuro diferente. Nunca admitiu perante os outros aquilo que tinha, nunca se desculpou, apesar de ter sido desculpado por todos. Só lhe queriam dar a mão, a qual ele rejeitava. Demorou o seu tempo, mas acabou por voltar a ser o que era, até certo ponto. Nos últimos tempos, esse rapaz tem andado no limbo entre o estar bem e o cair de novo. A diferença que vejo, é que desta vez ele agarra-se a todas as mãos que lhe aparecem. Consigo ver que ele apenas quer que não o deixem, apesar de ele não falar muito comigo sobre o assunto. Foi-se fechando cada vez mais. Uma vez, confidenciou-me: "um dia, espero ser capaz de anular todos os meus sentimentos." Eu sei que ele é capaz de chegar a esse ponto, apesar de se ter tornado um actor exímio. No fundo, ele só deseja que todos sejam felizes, mesmo que isso implique que o deixem para trás, algo que ele não é capaz de fazer a ninguém.

É verdade que a vida nos levou por caminhos diferentes, mas ainda assim, ao longo destes anos, fui vendo esse rapaz. O texto que abre este post, foi da sua autoria, nesse Verão que já não volta. Ultimamente tenho estado com esse rapaz. Tem ambições, mas já não tem sonhos. Voltou ao estado em que esteve, desde as atitudes aos pensamentos, mas com uma diferença...é que agora culpa-se a si próprio. Continua a querer o melhor e o melhor para os outros. Continua a dar-lhes a mão e a esquecer-se de si próprio para os ajudar.

Talvez um dia ele tenha tudo, daquele pouco que ele tanto quer. Até lá, ele vai escrevendo o que lhe vai andando às voltas no pensamento.


"Therapy is about every kids nightmare. When people are telling you that you need to get help but all you really want is a hug" -Alex Gaskarth

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